“Não são os políticos os que governam o mundo. Os lugares de poder, alem de serem supranacionais, multinacionais, são invisíveis.” [Entrevista de Clara Ferreira Alves a José Saramago, Expresso, Lisboa, 7 de agosto de 1993]
Viernes, 24 de Mayo 2013
[Não escrevo] por amor, mas por desassossego. Escrevo porque não gosto do mundo em que vivo. [“Saramago: Yo no escribo por amor, sino por desasosiego”, El Día, Tenerife, 15 de janeiro de 2003. Notícia de la Agencia EFE]
in O Caderno 2, 31 de julio de 2009
En el centenario de Álvaro Cunhal
Não foi o santo que alguns louvavam nem o demónio que outros aborreciam, foi, ainda que não simplesmente, um homem. Chamou-se Álvaro Cunhal e o seu nome foi, durante anos, para muitos portugueses, sinónimo de uma certa esperança. Encarnou convicções a que guardou inabalável fidelidade, foi testemunha e agente dos tempos em que elas prosperaram, assistiu ao declínio dos conceitos, à dissolução dos juízos, à perversão das práticas. As memórias pessoais que se recusou a escrever talvez nos ajudassem a compreender melhor os fundamentos da raquítica árvore a cuja sombra se recolhem hoje os portugueses a ingerir os palavrosos farnéis com que julgam alimentar o espírito. Não leremos as memórias de Álvaro Cunhal e com essa falta teremos de nos conformar. E também não leremos o que, olhando desde este tempo em que estamos o tempo que passou, seria provavelmente o mais instrutivo de todos os documentos que poderiam sair da sua inteligência e das suas finas mãos de artista: uma reflexão sobre a grandeza e decadência dos impérios, incluindo aqueles que construímos dentro de nós próprios, essas armações de ideias que nos mantêm o corpo levantado e que todos os dias nos pedem contas, mesmo quando nos negamos a prestá-las. Como se tivesse fechado uma porta e aberto outra, o ideólogo tornou-se autor de romances, o dirigente político retirado passou a guardar silêncio sobre os destinos possíveis e prováveis do partido de que havia sido, por muitos anos, contínua e quase única referência. Quer no plano nacional quer no plano internacional, não duvido de que tenham sido de amargura as horas que Álvaro Cunhal viveu ainda. Não foi o único, e ele o sabia. Algumas vezes o militante que sou não esteve de acordo com o secretário-geral que ele era, e disse-lho. A esta distância, porém, já tudo parece esfumar-se, até as razões com que, sem resultados que se vissem, nos pretendíamos convencer um ao outro. O mundo seguiu o seu caminho e deixou-nos para trás. Envelhecer é não ser preciso. Ainda precisávamos de Cunhal quando ele se retirou. Agora é demasiado tarde. O que não con- seguimos é iludir esta espécie de sentimento de orfan-dade que nos toma quando nele pensamos. Quando nele penso. E compreendo, garanto que compreendo, o que um dia Graham Greene disse a Eduardo Lourenço: «O meu sonho, no que toca a Portugal, seria conhecer Álvaro Cunhal». O grande escritor britânico deu voz ao que tantos sentiam. Entende-se que lhe sintamos a falta.
in O Caderno 2, 31 de julio de 2009
Fuente: Cuaderno de Saramago.
Suscribirse a:
Enviar comentarios (Atom)
No hay comentarios:
Publicar un comentario